Não é novidade o fato da água ser um dos principais recursos naturais dos quais necessitamos para viver. E também não é novidade sabermos que apesar de ser um elemento bastante abundante no nosso planeta, apenas pequena parte desse recurso é apropriado para o consumo humano. Não é de hoje que sinais de esgotamento de água potável têm surgido em regiões como o Oriente Médio e a África. Alguns estudiosos já prevêem que em breve a água será o principal foco de atenção entre as nações do mundo e, o Brasil por ter o privilégio de possuir 12% de toda a água doce da superfície terrestre, poderá futuramente fazer parte de conflitos pela disputa desse bem precioso. Além disso, nosso país, apesar de possuir boa parte desse recurso, já tem sofrido com problemas de falta de água em algumas cidades.
(Fonte: colegiosaocamilo) |
Os principais fatores que levaram o Brasil a sofrer com problemas de escassez de água são a poluição de rios e nascentes, o desperdício e a má distribuição de água nas regiões brasileiras. Para se ter uma idéia a região amazônica possui 78% da água superficial, entretanto, é a região que possui a menor densidade demográfica. Em contrapartida, no sudeste, onde se concentra a maior parte da população, só tem disponível cerca de 6% do total de água. A região de São Paulo, apesar de ter crescido na confluência de vários rios, teve um processo de urbanização, industrialização e produção agrícola sem nenhum critério de preservação ambiental e da água, logo tornando imprestável para o consumo a água potável que a região tinha disponível. Assim, a população dessa região foi obrigada a buscar água em bacias distantes, alterando cursos de rios e a distribuição natural de água na região. Com relação ao desperdício de água, basta dizer que as cidades, em virtude da urbanização descontrolada possui uma taxa de 50 a 70% de desperdício de água, usada de forma irregular.
Sempre imaginei que uma solução para a escassez de água doce seria criar algum mecanismo capaz de transformar a água salgada em água potável. Há anos atrás, quando lia a respeito dessa possibilidade, constatava que um dos principais fatores de inviabilidade do processo de dessalinização da água do mar seria o alto custo gerado para investir em pesquisa de tecnologia para resolver o problema que se torna mais sério a cada dia que passa. Sem falar que, tal processo, teria que ser capaz de fazer a dessalinização da água em alta escala para atender às populações mundiais, o que na prática, seria realmente algo bastante complexo.
O processo de dessalinização da água (Fonte: inovaçãotecnológica) |
Foi aí que, recentemente, descobri que não era o único que pensava em engenhocas desse tipo para deixar a água do mar apropriada para o consumo humano. A escola politécnica da USP acabou de desenvolver um mecanismo capaz de transformar a água do mar em água potável. Tal sistema foi batizado de Coluna de Dessalinização e funciona a partir de energia renovável. O objetivo desse aparato é atender às populações carentes, como a do Cabo Verde, na África, onde a escassez de água pura se tornou um dos problemas mais relevantes na região.
O engenheiro caboverdiano Juvenal Rocha Dias é o autor desse projeto que, segundo ele, foi feito justamente para atender às necessidades de seu país de origem. Dias ainda conclui que já é possível que os governos de países subdesenvolvidos invistam em métodos menos custosos de dessalinização de água, já que, o método atual utiliza energia elétrica a partir da queima de combustível fóssil, como o diesel. Este processo em si já é mais caro e mais prejudicial ao meio ambiente.
Sistema atual de dessalinização da água (Fonte: amanatureza) |
O sistema utiliza-se de energia eólica, fornecida pelos ventos, para funcionar. Essa energia, por sua vez, é gerada a partir de cata-ventos ou turbinas eólicas, e energia potencial gravitacional. O processo então se inicia com o bombeamento da água salgada para uma coluna cilíndrica localizada na parte superior do mecanismo, onde há um reservatório. O peso dessa água impulsiona um êmbolo que pressiona o ar contido em uma câmara inferior do sistema. Esse ar exerce uma força sobre outro reservatório. A água contida nele é pressionada e passa por uma espécie de membrana. Esta, por sua vez, funciona como o filtro do sistema, onde é realizado um método conhecido como “osmose reversa” e, dessa forma, a água, antes salgada, passa para o outro lado da coluna dessalinizada. Ainda segundo o engenheiro, a dimensão da coluna a ser construída depende da quantidade de água potável desejada que, destarte, depende da quantidade de indivíduos que ela vai atender. Por exemplo, para a produção de 5 mil metros cúbicos (m3) de água, o que equivale, em média, à água utilizada por 10 pessoas ao longo de um dia, o sistema deve possuir cerca de 25 metros (m) de altura.
O processo realizado pela coluna de dessalinização equivale a 2,8 kWh/m³ de água potável produzida, o que é um consumo bastante baixo em relação ao método convencional que apresenta valores em torno de 10 kWh/m³ de água potável produzida a partir da dessalinização da água do mar.
Unidade de dessalinização australiana (Fonte; quimicaederivados) |
A professora e orientadora do estudo, Eliane Fadigas, acredita que países em situações econômicas semelhantes à do Cabo Verde podem se beneficiar da coluna de dessalinização à longo prazo, mesmo que a construção desse sistema seja bem cara. Eliane explica que “O governo vai poder redirecionar o dinheiro que era utilizado com a compra de diesel para outras necessidades, ligadas também à população. É evidente que tudo isso depende da vontade política”, e ainda acrescenta mais: “Além de servir para transformar a água do mar em água potável, a coluna também pode ser adaptada e reprojetada para outros fins. Por exemplo, a partir do uso de filtros apropriados, o sistema pode ser utilizado para a despoluição de riachos e lagos, ou mesmo como fonte de água para uso na agricultura ou produção de energia elétrica”. E complementando o que Fadigas disse, “ao idealizar o sistema, pensamos não só na questão dos gases poluentes, mas também onde poderíamos depositar o sal retirado da água. Esse 'resto' pode ser, por exemplo, devolvido para o mar de uma forma controlada", completa o engenheiro Juvenal.
Apesar da coluna de dessalinização ser uma idéia bastante promissora, ela possui algumas limitações no funcionamento do sistema. O engenheiro apontou, por exemplo, que, “uma vez que é movido à energia eólica, ele depende das condições dos ventos, e até mesmo dos requisitos dos cata-ventos, que, por sua vez, devem ser instalados próximos ao mar ou a fontes de água. Isso não acontece caso a fonte de energia seja a turbina eólica, de mecanismo diferente do cata-vento. Há portanto a limitação de espaço, já que quanto mais cata-vento, mais potência”. Porém, prevendo tais limitações, Dias imaginou uma forma de contornar tal dilema. Para isso ele sugere a utilização da bomba clark, uma bomba d’água capaz de reaproveitar as energias perdidas durante o processo do sistema.
Ilustração de uma bomba d'água clark (Fonte: agram) |
A partir deste projeto, pode ser que, num futuro próximo, a coluna de dessalinização seja uma alternativa para produzir água potável do mar, ou mesmo, uma porta para novas possibilidades de sistemas capazes de produzir água potável em larga quantidade, atendendo principalmente às regiões do mundo onde esse recurso natural encontra-se extremamente escasso.
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