domingo, 28 de novembro de 2010

Dançando até morrer

A dança, assim como o teatro e a música é uma das principais formas de expressão artística. Ela está presente em praticamente todas as culturas tanto na forma de uma descompromissada diversão quanto na forma de um complemento de alguma importante cerimônia ou ritual. Danças folclóricas, cênicas, religiosas, sociais, eróticas... Todas elas têm uma característica comum: são saudáveis ao indivíduo que as executam, seja no aspecto físico-mental, seja no aspecto social. Então quando é que uma dança qualquer poderia ser prejudicial ao dançarino? Ou prejudicial a ponto de matar o sujeito? Seria possível? E se ao invés de matar um sujeito, matasse centenas?

Pessoas dançam incessantemente em uma viela de Estrasburgo (Fonte: globo)
Uma certa vez, em julho de 1518, a cidade francesa de Estrasburgo na região da Alsácia foi palco de um estranho e infeliz incidente envolvendo a dança. Uma mulher conhecida como Frau Troffea resolveu começar a dançar fervorosamente em uma rua de Estrasburgo. Enquanto dançava, pessoas que estavam próximas e presenciaram o inusitado comportamento da mulher passaram a acompanhá-la na euforia. Debaixo de um sol de verão a dança de Troffea durou de 4 a 6 dias seguidos sem tempo para descanso. Em uma semana uns 30 cidadãos estavam na rua dançando sem parar e após um mês esse número disparou para 400 pessoas. O resultado disso foi trágico, pois a maioria dos envolvidos morreu seja de ataque cardíaco, derrame cerebral, exaustão, ou mesmo desidratação e outros problemas provenientes do calor que fazia na época. Quem esteve presente na ocasião relatou que muitos dos envolvidos queriam parar de dançar, mas não conseguiam, permanecendo dia e noite bailando pelas ruas sem descanso. Como se estivesse em um bloco carnavalesco.
A história por mais bizarra que pareça pode ser confirmada através do historiador John Waller que, quase 500 anos depois, lançou um livro sobre o episódio que reunia registros históricos sobre a dança mortal como sermões, anotações de médicos, crônicas locais e atas do conselho da cidade onde ocorreu o caso.


A dança da morte (Foto: uarevaa)

Waller acredita que o fenômeno ocorrido em Estrasburgo pode ser explicado pelo contexto de miséria em que vivia a população local naquela época. Ele afirma que o contexto que antecedia o bizarro evento era de miséria e fome, resultante dos prejuízos advindos das colheitas improdutivas e do excesso de mendicância da região. Segundo Waller, esse era o palco ideal para os mais diversos tipos de superstições. Entre elas a que São Vito (protetor dos artistas, das doenças nervosas e dos dependentes de drogas) poderia enviar sobre pecadores que causassem sua ira uma praga de dança compulsiva. A crença em tais superstições poderiam ter desencadeado uma histeria coletiva acompanhada de um estresse psicológico intolerável. A essa categoria de histeria coletiva dá-se o nome de “enfermidade psicogênica de massa”, que surge em conseqüência do efeito Nocebo (oposto do efeito placebo), ou seja, em vez de pensamentos positivos ou associações que produzam um efeito benéfico, as pessoas desencadeiam pensamentos e associações ruins que resultam em efeitos negativos. Por exemplo, um sujeito pode entrar em desespero ao ser picado por uma cobra e a crença de que possa ser morto pelo veneno da cobra é tão forte que a saúde dele é prejudicada mesmo quando a cobra que o picou não é de fato peçonhenta.

Mulheres acometidas pela praga da dança (Foto: inconscientecoletivo)
Outra teoria atribuída à ‘praga da dança’ é a do ergotismo, ou envenenamento por Ergot. Eugene Backman, em seu livro “Religious Dances in the Christian Church and in Popular Medicine” argumentou que as pessoas envolvidas no caso poderiam ter ingerido um fungo contaminante comum do centeio e outros cereais. Tal fungo ataca o sistema nervoso central, causando confusão mental seguida de depressão, hipertensão, bradicardia, vasoespasmos, cianose periférica (mãos e pés pálidos) com claudiocação, podendo ainda levar ao coma e a morte. Entretanto, Waller contesta essa posição afirmando que o fungo poderia causar convulsões e alucinações, mas não poderiam causar movimentos coordenados por vários dias. Além disso, relatos alegam que as pessoas não queriam dançar, de fato, pois apresentavam em suas faces medo e desespero.
Além dessas teorias, outras surgiram posteriormente, com menos impacto, como a do sociólogo Robert Bartholomew, que acreditava que as pessoas envolvidas na dança estariam cumprindo um ritual herético (relacionado à heresia).
Após esse incidente houve ainda registros de mais 6 surtos semelhantes a esse, sendo que o último ocorreu em Madagascar, em 1840. Os demais teriam ocorrido em diferentes localidades da Bélgica.
 No fim das contas, uma solução definitiva para o caso ainda não existe e este permanece como mais um mistério que confunde historiadores e estudiosos do caso.

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