sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Contos Mijinianos #3 - A Chuva

No meu velho quarto me encontro trancado em meio ao negrume, de olhos abertos, mas sem poder enxergar um palmo da minha mão. Fico a observar o nada, tentando fitar algum rastro de luz vindo lá da noite escura, pela janela do meu quarto, transpassando a cortina azul. Porém, o céu da noite nada ilumina, apenas enegrece mais o vazio que vai de mim para o exterior. Assim permaneço em trevas, em busca de algo que não sei dizer, por isso nunca durmo, pois necessito esperar sempre lúcido.
(Fonte: flog)

Lá fora chove densamente. A água, que se sugere infinita, cai ensandecida e uniforme num ritmo tão intenso que, parece querer opor o seu poder a todos os seres terrestres. É como se quisesse engolir a cidade inteira.
Tudo o que sinto agora é o barulho da chuva e, no estado em que estou, mergulhado na fadiga de um dia enfadonho, meus sentidos parecem mais vivazes do que nunca. Sinto a água escorrendo por cima do telhado e precipitando sobre o jardim, molhando as rosas secas e outras plantas não menos amarrotadas. Delas as águas gotejam até o chão formando uma série de ruídos semelhantes e não aleatórios, que parecem querer fazer algum sentido no meio do chiado provocado pelo conjunto da tempestade. É algo que eu nunca havia reparado antes, mas mergulhando dentro desse chiado agressivo posso sentir lá no fundo um simbilar de gotas que pendem sempre de maneira caótica. A água que escorre do telhado faz ecoar um simbilante rasgado que se encontra com o simbilar das gotas no jardim e o simbilar enfurecido das enxurradas, que são como chuvas terrestres que se precipitam sempre em sentido horizontal, sem destino. O conjunto desses sons forma uma melodia muito particular, algo que eu nunca tinha provado a sensação. Pareço-me hipnotizado com o padrão encontrado na desordem da chuva. Essa música, às vezes, confundem meus sentidos, pois sinto a água molhando todo o exterior da casa, apesar de nada enxergar. Sinto a água dominando tudo ao redor do meu lar, tal qual um aquário às avessas, onde sou um peixe que não pode viver dentro do mar. Apenas observo sem poder nada ver.
A chuva é espessa e bate nos muros com bastante ódio. Ela parece querer se aproximar mais de mim, tentando penetrar a muralha que me mantém seguro. Pressagio a água escorrendo por dentro das paredes do meu quarto, mas eu olho para os lados e nada vejo, apenas sinto. A chuva parece dominar meu quarto, pois o chão encharcado pressagio, e mesmo assim não tenho ânimo para pôr um dos meus pés no chão para senti-lo umedecendo-se.
A melodia simbilante continua em ritmo intenso, e quando mais eu me deixo ser dominado por essa harmonia aquática, mais sinto meu quarto enchendo-se de água. Tenho a impressão que a chuva está precipitando apenas dentro do meu quarto, pois olho para a janela, transpassando a cortina azul para observar o céu, mas é em vão, pois nada vejo, apenas sinto.
Deitado na minha cama antiquada experimento a sensação de estar mergulhado dentro da água da chuva. Sinto-me completamente molhado, mas estou enxuto. Sinto-me sufocado pela falta de oxigênio, apesar de ele estar presente. Sinto-me tonto, com vontade de desmaiar, mas acho que estou apenas com sono. E enquanto a música que simbila infinitamente ao meu redor é executada pela chuva com maestria, sinto-me sensibilizado a ponto de me afogar no seco.


Contos Mijinianos #1 - O Grito

Contos Mijinianos #2 - Trem das Paisagens


Contos mijinianos #4 - Pombos e anões


Contos Mijinianos #5 - Hotel Paranóia


Contos Mijinianos #6 - O barco

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