segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Tuskoy - A Cidade do Câncer

No mês passado a BBC de Londres divulgou uma matéria sobre o drama ocorrido numa das mais belas regiões da Turquia, a Capadócia. Nela encontramos a cidade de Tuskoy, que até pouco tempo atrás estava sendo evacuada em razão de um grave problema trazido pelas erupções dos vulcões Argeu, Hasan, Acigöl, Melendiz e Göllü há milhões de anos: um surto de câncer que vem acometendo os moradores de Tuskoy!


Tuskoy (Fonte: blogs.exitos939)

A região histórica da Capadócia, localizada na Anatólia central da Turquia, é conhecida por suas paisagens exóticas e exuberantes, com formações geológicas antigas de rochas porosas talhadas pelo tempo, e por suas ruínas históricas, responsáveis pela atração de mais de 2 milhões de turistas por ano. As rochas encontradas no local são resultados de erosões e atividades vulcânicas de milhões de anos e o patrimônio histórico e cultural do lugar é proveniente das cidades subterrâneas e das inúmeras habitações e igrejas escavadas na rocha desde um milênio atrás. As características geológicas de Capadócia deram origem às paisagens que comumente são descritas como lunares, devido à abundância de cavernas naturais e artificiais, onde algumas ainda são habitadas até hoje. As rochas encontradas, principalmente o tufo e o calcário, formam paredes macias o suficiente para que humanos construam suas habitações simplesmente escavando as rochas, sendo desnecessária a construção de edifícios para moradia. Tirando essa excêntrica característica, podemos dizer que os cidadãos de Tuskoy têm um cotidiano como a de qualquer outra cidade antiga: pode-se observar tratores circulando pelas ruas, mulheres em trajes característicos passeando pelas praças, homens gastando seu tempo de reposição em lojas de chá, ou jogando baralho e gamão.


Cidade esculpida na rocha (Fonte: obviousmag)

Rocha macia e porosa fácil de manipular (Fonte: ellystur)

Mas enquanto seus habitantes viviam sua rotina tranqüilamente, eles começaram a sofrer anormalmente uma alta taxa de doenças respiratórias, o que se tornou responsável por metade das mortes em Tuskoy. Até pouco tempo atrás ninguém sabia a causa desse surto de doenças respiratórias. Os médicos geralmente diagnosticavam a maioria dos pacientes com tuberculose que, antigamente, era algo muito comum de se ver. Entretanto, as pessoas que receberam o tratamento contra essa doença não apresentaram nenhum quadro de melhora e a maioria faleceu com o agravamento do estado de saúde.


Dr. Izzettin Baris (Fonte: hurriyetdailynews)

A verdadeira causa foi descoberta em meados da década de 1970 pelo Dr. Izzettin  Baris, que começou a estudar os pacientes de Tuskoy e duas outras aldeias afetadas pelo mesmo mal, a Karaiun e a Sarahidir. Baris descobriu que os doentes de Tuskoy, na verdade, sofriam de mesotelioma, uma forma virulenta de câncer, causada pela exposição ao amianto.


Amianto (Fonte: portalmedquimica)

O mesotelioma é um tipo de câncer que ocorre nas camadas mesoteliais da pleura, pericárdio, peritônio e, geralmente, atinge mais aos homens do que às mulheres. Nesta doença as células malignas se desenvolvem no mesótelio, uma camada protetora que reveste a maioria dos órgãos internos do corpo, sendo que, os mesotélios mais acometidos pela doença são os da pleura (revestimento externo do pulmão e da parede torácica interna), os do pericárdio (uma espécie de saco que envolve o coração) e os do peritônio (revestimento da cavidade abdominal).


Mesotelioma desenvolvido na pleura, o tipo mais comum (Fonte: willilive)

A maioria das pessoas que desenvolvem este tipo de câncer trabalha em empregos ou faz alguma atividade onde está exposta a partículas de amianto, também conhecido como asbesto. O amianto é um material fibroso natural com grande flexibilidade e resistências tênsil, química, térmica e elétrica muito elevadas e, além disso, pode ser tecido para roupas entre outras coisas. O amianto é constituído de feixes de fibras extremamente finas e longas, facilmente separáveis umas das outras e com tendências a liberarem um pó de partículas muito pequenas que flutuam no ar, aderem em tudo e são facilmente inaladas ou engolidas por um indivíduo que esteja em contato com esse material. Essas características são responsáveis pela sua abolição em mais de 30 países.
Entretanto, no caso dos moradores de Tuskoy, eles não estiveram exposto ao amianto então, teoricamente falando, eles não teriam como desenvolver mesotelioma. Outro fator que intrigava os estudiosos do caso era o fato de os índices da doença em Tuskoy serem centenas de vezes mais altos do que em qualquer outro lugar da Turquia. Foi aí que, recentemente, foi descoberto que o causador do mesotelioma nos moradores da região era um mineral raríssimo chamado erionita, muito presente nas rochas porosas da cidade. Esse mineral possui propriedades muito semelhantes ao amianto e pode estar presente em rochas ígneas, principalmente as vulcânicas e, comercialmente falando, é utilizada como catalisador em tratamento de efluentes, devido a sua capacidade de absorção de material particulado, entre eles os metais pesados.


Erionita (Fonte: todocoleccion)

Como as rochas presentes em Tuskoy são macias e porosas, é muito comum a existência de fragmentos de erionita no ar. As mulheres, por exemplo, costumam ir aos celeiros escovar a poeira das paredes, espalhando fragmentos por todas as partes. Mesmo aqueles que se mudaram para outras localidades também desenvolveram o mesotelioma, nem mesmo uma criança nascida em Tuskoy que tenha saído da cidade não conseguiria escapar do mal que acomete os demais habitantes. Os sintomas mais recorrentes nos doentes são dor torácica, tosse, febre, emagrecimento e perda da força muscular. A doença pode manifestar-se num período de mais ou menos trinta anos e, em cerca de 95% dos casos, os pacientes vão a óbito até 24 meses após o diagnóstico.
Infelizmente esse foi o tempo necessário para o governo de Tuskoy enxergar que a erionita era a responsável pelo surto de câncer nos moradores. Já no fim da década de 70 os moradores já apresentavam diversos tipos de problemas respiratórios, mas o mesotelioma era sempre confundido com a tuberculose. Agora que tudo foi esclarecido o governo concluiu que a melhor maneira de contornar a crise pela qual a cidade passava era transferir os moradores de lá para outra cidade, construída numa localidade livre da erionita. O governo liberou recursos para esse empreendimento depois de declarar como zona de desastre algumas partes do vilarejo. Agora um dos problemas enfrentados é o fato de alguns moradores se recusar a sair de Tuskoy, por não acreditar na vinculação do câncer com as rochas encontradas no local e, inclusive, acusaram o Dr. Baris de ter taxado o vilarejo de ‘cidade do câncer’, quebrando o turismo que era uma de suas principais fontes de renda. Pra piorar, a construção da nova cidade se dá a passos de tartaruga e a maioria dos moradores de Tuskoy ainda permanecem no lugar em contato com as paredes porosas, presentes de erionita. Baris afirma que todo o local deveria ser considerado zona de desastre e a melhor medida a ser tomada era evacuar a cidade, isolar a área e deixar a natureza tomar conta do local, pois a demolição da cidade poderia causar um grande risco devido à quantidade de pó que seria lançada no ar.
Enquanto a gravidade do caso não for considerada infelizmente é provável que o mesotelioma ainda esteja presente nas futuras gerações de habitantes que vivem ou viveram em Tuskoy.

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