segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O protesto silencioso


Quang durante auto-imolação (Fonte: landiosi)

Durante o período de 1959 e 1975 o sudeste asiático estava vivendo o inferno da guerra do Vietnã. De um lado estava a República do Vietnã (Vietnã do Sul) e os Estados Unidos com o apoio da Coréia do Sul, da Austrália e da Nova Zelândia; do outro lado estava a República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte) e a Frente Nacional para a Libertação do Vietname (FNL) com o apoio logístico da União Soviética, da China e da Coréia do Norte. Essa guerra trouxe como resultado cerca de 4 milhões de mortes de vietnamitas de ambos os lados, mais outros dois milhões de mortes de cambojanos e laocianos, que foram arrastados pra guerra devido a propagação do conflito. Em 1973 o país foi reunificado sob o governo socialista, após a derrota dos Estados Unidos e, em 1975, foi oficialmente declarado como a República Socialista do Vietnã.


Vietnamitas padecendo das agruras da guerra (Fonte: lidercomvisao)

A intervenção dos Estados Unidos nessa guerra ainda trouxe outras seqüelas na sociedade vietnamita.
As Convenções de Genebra, realizadas durante o período de 1864 a 1949, estabeleciam direitos e deveres de pessoas, combatentes ou não, em tempos de guerra. Assim, na época da guerra do Vietnã, o país foi temporariamente dividido em dois por um dos tratados de Genebra. Esse tratado determinava que o país seria dividido momentaneamente em dois a partir do paralelo 17, onde a parte norte ficaria sob o governo de Ho Chi Minh e a parte sul ficaria sob o domínio do imperador Bao Dai (dependente dos franceses). Outras cláusulas do tratado diziam que entre as duas partes do país haveria uma Zona Desmilitarizada (ZDM) e que haveria eleições para unificar o país, sob a supervisão internacional. Entretanto, os Estados Unidos se recusou a assinar o acordo e, posteriormente, armou um golpe militar em Saigon. Durante um plebiscito (reconhecidamente fraudulento), Bao Dai foi deposto e o líder Católico Ngo Dinh Diem, comprometido com os norte-americanos, tomou o poder para si. Diem, então, implantou uma ditadura militar, proclamou a independência do Vietnã do Sul e cancelou as eleições previstas pelo acordo de Genebra, porque estava convicto que a vitória seria de Ho Chi Minh.


Thich Quang Duc (Fonte: quangduc)

E foi justamente no contexto da Era Diem que ocorreu um evento histórico perpetuado pelos monges budistas do Vietnã que, até então, era a maioria da população. No dia 11 de junho de 1963, em uma das frequentes passeatas que andavam acontecendo na cidade de Saigon, os monges, insatisfeitos com a opressão propagada pela elite católica (reflexo da colonização francesa) e com a política religiosa do governo Diem, saíram de um pagode e avançaram por uma das ruas principais da cidade. Um automóvel que acompanhava a marcha parou num determinado momento e dele desceram três religiosos. Os demais manifestantes organizaram um círculo ao redor do carro e, um dos três monges, um idoso chamado Thich Quang Duc, sentou-se numa almofada e cruzou as pernas. Os outros dois monges que acompanhavam Quang pegaram um galão de gasolina e espalhou por todo o corpo dele, depois sacaram uma caixa de fósforo e atearam fogo no corpo de Quang, este por sua vez, permaneceu imóvel em posição de lótus, virando uma tocha humana. Enquanto queimava, ele, além de não se mover, não gritou e nem sequer fez um pequeno ruído, apenas esperou a morte em silêncio. Após a sua auto-imolação Quang foi considerado um Bodisatva (título dado aos que possuem elevada sabedoria), principalmente depois de um fato curioso: dizem que após ser queimado vivo ele teve seu corpo cremado novamente e mesmo assim seu coração permaneceu intacto. Por essa razão, seu órgão foi transladado aos cuidados do Banco de Reserva do Vietnã como relíquia.


Quang em chamas (Fonte: schlicken.blogsome)

O coração de Quang permaneceu intacto após o incêndio do corpo dele (Fonte: quangduc)

Durante o seu suicídio o monge foi fotografado por Malcolm Browne, que foi consequentemente premiado com os Pulitzer e Foto do Ano da World Press Photo. Em virtude disso as fotos de Browne rodaram o mundo e viraram um símbolo dos anos 60, assim como os Beatles e o Che Guevara.
Apesar de ser um método bastante doloroso de se protestar, a auto-imolação de Quang não foi um fato isolado, muito pelo contrário, se tornou algo bastante frequente nos protestos dos budistas vietnamitas. O surgimento de outros casos de auto-imolação se tornou algo tão comum que o governo sul-vietnamita criou um esquadrão anti-suicídio, equipado de extintores de incêndio para evitar novas tentativas de auto-sacrifício.



Quang ficou conhecido por promover o chamado protesto silencioso, onde sua coragem de se sacrificar refletiu decisivamente na conclusão da guerra do Vietnã. Após sua morte, a pressão internacional sobre o regime Diem aumentou fazendo com o que o líder anunciasse reformas para tentar acalmar o ânimo dos budistas.       No entanto, essas reformas foram implementadas bem lentamente e algumas das reformas prometidas sequer foram concretizadas, resultando na deterioração da disputa. Em virtude da continuidade dos protestos, Diem autorizou as Forças Especiais, leais ao irmão dele,  Ngô Ðình Nhu, para que atacassem os pagodes budistas em todo o país. Esses ataques geraram centenas de mortes de budistas e muitos, a exemplo de Quang, passaram a  se auto-imolarem, sendo que logo em seguida, Diem foi assassinado durante um golpe militar, determinando o fim da Era Diem. As imagens do sacrifício budista pode não ter sido o principal fator responsável pelo fim do embate no Vietnã, mas foi decisivo por mostrar ao mundo o que realmente estava acontecendo na região, algo muito além do simplismo da Guerra Fria.


(Fonte: euopinotuopinaseleopina)


1 comentários:

Amanda Vitória disse...

Boa tarde, possui fontes utilizadas no artigo? Estou fazendo uma pesquisa acadêmica e ficaria grata.

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