Jânio Quadros pode ser considerado um dos maiores expoentes do período populista do Brasil. Sua carreira política era caracterizada pelas aparições apelativas em público, onde ele forçava uma imagem de líder carismático das massas. Sua campanha presidencial tinha como símbolo a vassoura, que significava a moralização do cenário político nacional e a varredura da corrupção do país. No entanto, durante sua permanência no país como presidente, muitas de suas ações polêmicas acabaram por criar situações nebulosas entre os períodos de 31 de janeiro de 1961 e 25 de agosto de 1961: Ele reduziu a concessão de crédito e congelou o salário mínimo para superar o problema da inflação e o visível déficit público; ignorou os ditames da ordem bipolar em tempos de Guerra Fria e retomou relações com a União Soviética, mesmo mantendo uma postura política mais capitalista, e ainda recusou um encontro marcado com John Kennedy, atual presidente dos Estados Unidos na época; enviou o vice-presidente João Goulart em missão diplomática na China para estabelecer acordos de cooperação comercial.
(Fonte: meupapeldeparedegratis) |
Fora isso Jânio ainda aprontou algumas peripécias mais sem noção: proibiu a realização de desfiles de biquíni, proibiu a realização de rinhas de galo, limitou as corridas de cavalo para os fins de semana e proibiu o uso de lança-perfume. Enquanto isso os problemas principais do país como educação e saúde eram deixados de lado, o que, conseqüentemente, reduziu drasticamente a aceitação de Jânio pela população. Agora dentre essas peripécias, uma merece um destaque especial por ter concebido umas das histórias mais inusitadas do governo brasileiro: o dia em que as forças aéreas foram convocadas para combater um exército de aranhas!
Jânio Quadros e o símbolo do seu governo (Fonte: brasilescola) |
Mas calma lá, não se tratavam de aranhas monstruosamente gigantes, como naquele filme “A Invasão das Aranhas Gigantes”, de 1975, e sim de aranhas minúsculas que nem mortalmente venenosas eram. O caso aconteceu em julho de 1961, num recanto da baía de Guanabara. Na época era sabido que nessa região havia surgido um surto de aranhas da espécie de Latrodectus curacaviensis, conhecida popularmente como ‘flamenguinha’, por ser minúscula e conter listras pretas e vermelhas em seu abdômen. Numa época onde o mundo não era globalizado e nem tinha Internet, o que a massa popular sabia a respeito de aranhas eram que todos deviam evitá-las ao máximo para não ser picados e morrerem por causa do veneno mortal (como se todas as espécies de aranhas contivesse o tal veneno letal). O medo dessa ‘praga’ se espalhar para a cidade fez com que o então presidente Jânio Quadros anunciasse guerra contra os aracnídeos! Logo, ao invés de simplesmente usar algum pesticida ou algo semelhante, o presidente achou mais interessante atacar com aviões de guerra...
Força Aérea Brasileira (Fonte: noticias.cancaonova) |
1º ROUND: Esquadrilha da Aeronáutica Brasileira WINS!
O negócio foi tão sério que o governo de Jânio convocou uma esquadrilha da Força Aérea Brasileira para dar cabo dos monstrinhos. Essa esquadrilha decolou da Base de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, durante uma manhã de sol e partiram para o recanto da baía de Guanabara, na zona norte da cidade, para combater a infestação de flamenguinhas. Os jatos estavam fortemente equipados com bombas incendiárias e transformaram o local num inferno em chamas que cobriu boa parte da região onde se proliferavam as aranhas. Como se não bastasse, um grupo de soldados da Base aérea do Galeão foi ao local destruído, encharcou tudo de gasolina e puseram fogo nos poucos metros quadrados que havia escapado do bombardeio. Depois de restarem apenas cinzas na região bombardeada, as autoridades sanitárias do Estado da Guanabara anunciaram a vitória contra os minúsculos adversários.
Flamenguinha (Fonte: amel.med) |
2º ROUND: aranhas paraquedistas WINS
Ninguém poderia imaginar que as flamenguinhas tivessem uma carta na manga. Como até então os hábitos dessa espécie de aranha eram desconhecidos, nem mesmo um bombardeio lançado por aviões de guerra foi suficiente para evitar que milhares de flamenguinhas usassem alguma estratégia de sobrevivência para se deslocarem para outras áreas, formando assim, colônias em outras partes do litoral carioca. E foi justamente o que aconteceu.
No artigo anterior eu tinha falado sobre uma espécie de aranha capaz de usar um método chamado de balonismo para se deslocar por grandes distâncias usando a corrente de ar e uma espécie de pára-quedas feito de teias de aranha. Pois bem, a Latrodectus curacaviensis é capaz de usar tal artimanha para se deslocar de um habitat para outro quando elas se sentem ameaçadas. Isso já acontece desde a época em que uma jovem flamenguinha abandona o convívio com o resto da ninhada, pois ela tece um pequeno balão de fios de teia grudado ao abdômen. Ao menor deslocamento de ar, o balão levanta o aracnídeo a centenas de metros de altura, devido às correntes de ar ascendentes e quentes. Durante o vôo a aranha ainda é capaz de controlar a altitude do balão diminuindo ou aumentando o volume dele de acordo com a sua necessidade, dessa forma, consegue aterrissar quando bem entender.
A técnica do balonismo (Fonte: portalsaofrancisco) |
Foi assim que, ao caírem as primeiras bombas napalm no solo, houve grandes deslocamentos de ar causados pelos impactos dos projéteis e as colunas ascendentes de ar quente produzidas pelos incêndios carregaram para a atmosfera uma enorme quantidade de flamenguinhas em seus balões de seda.. Assim, enquanto as velhas aranhas tostaram nas chamas causadas pelas bombas, as jovens aracnídeas aproveitaram as grandes correntes de ar quente para se deslocarem para as mais variadas localidades do Rio, como Niterói e Barra da Tijuca. E por uma ironia do destino, um ano após a guerra contra as aranhas paraquedistas, lá estavam elas, numa nova colônia, exatamente no mesmo local onde havia partido a primeira missão exterminadora, nas proximidades da Base Aérea de Santa Cruz!
Aranhas se deslocando pela corrente de ar (Fonte: flickr) |
3º ROUND: aranhas paraquedistas WINS
Um zoólogo chamado Herman Lent, que era na época o atual diretor da Seção de Entomologia do Instituto Oswaldo Cruz, apresentou um extenso relatório condenando a medida absurda de enviar as Forças Aéreas para exterminar uma colônia de aranhas e sugerindo o uso de técnicas mais práticas e eficientes como a simples borrifação de DDT e BHC (dois tipos de inseticidas) na área habitada pela Latrodectus curacaviensis. Além disso, nesse relatório constava que o veneno dessa espécie de aranha era de baixa periculosidade, ao contrário do que imaginavam o governo e a população, e diferente de outra parenta dela bem conhecida por nós, a Latrodectus mactans, a famosa viúva-negra. No fim, Lent concluiu que as flamenguinhas não atacariam os cariocas e acabou acertando nas suas previsões, pois nos anos que se sucederam, elas passaram a dividir espaço com os banhistas em alguns pontos da orla marítima carioca, sem maiores problemas.
Jânio tão perdido quanto seu governo (Fonte: massote.pro) |
Depois de um episódio bizarro como esse não era de se esperar que o presidente Jânio Quadros renunciasse o seu cargo no mesmo ano em que foi eleito. Na verdade, o fim da picada foi ele decidir condecorar o líder revolucionário cubano Ernesto Che Guevara. Tal manobra foi uma afronta aos países capitalistas que já consideravam Jânio um defensor do socialismo. Não demorou muito para que ele renunciasse a presidência em agosto de 1961, alegando que fez isso para se defender de terríveis ameaças contra o seu governo. Quem sabe tais ameaças não envolveram uma certa aranha conhecida como flamenguinha? Hehe.
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