terça-feira, 23 de agosto de 2011

Contos Mijinianos #1 - O Grito


Quinze horas no meu relógio! Devo apressar-me para chegar até o prédio onde trabalho. Porém, como sempre, sem desembaraço, pois o chão que caminho é de vidro e não pode quebrar sob mim, visto que cairia eu num precipício sem limite.

(Fonte: fotolog)


Vivo diante desse martírio já que não suporto altura e me sinto sempre atraído pelo chão como quem está prestes a desmaiar, dominado por vertigens intensas. Dizem que os medos que carregamos conosco sempre procedem de algum trauma de infância, mas não lembro eu de algum momento decorrido que justifique meu pavor de altura.
E por mais que eu não quisesse me locomover diariamente para evitar o meu tormento, sou obrigado a levantar todos os dias da minha cama e pisar num chão de vidro. Escovo os dentes, tomo banho, me arrumo, saio de casa e percorro uma distância incomensurável até o prédio onde eu trabalho que é todo feito de vidro, assim como os outros prédios da cidade. Caminho sempre olhando para o alto e vez ou outra me vejo tropeçando num meio fio ou em uma saliência qualquer, e meu coração sempre dispara. Às vezes imagino que vou infartar qualquer dia desses, mas se meu coração já suportou a pressão de mais de três décadas vividas, porque iria vacilar agora?
Trabalho no 13º andar. Dizem que o número 13 dá azar, mas sou eu incrédulo demais para dar importância à tamanha tolice. Porém, ao mesmo tempo, me sinto um azarado, pois queria eu trabalhar no primeiro andar, ao invés do décimo terceiro. Lá do meu escritório daria para ver todos os demais dos andares inferiores, entretanto, há uma conduta de ética, onde ninguém pode olhar o que fazem os funcionários que trabalham nos andares abaixo e nos acima.
Curiosamente, já faz mais de oito anos que trabalho aqui e nunca vi ninguém olhando para cima ou para baixo. As pessoas sempre andam olhando para frente, às vezes de uma maneira tão mecânica que nem parecem que estão vivas! Parecem meros robôs programados para seguir determinadas normas de conduta e fazer tudo sempre do mesmo jeito. E parece tudo tão perfeito que me sinto incomodado e predisposto a ser antiético pelo menos uma vez na vida. Mas se fizesse eu tal descomedimento o que haveria de acontecer? Nenhum homem até hoje se atreveu a quebrar as leis regidas pelos nossos superiores, pelo menos até onde eu saiba, e por isso não faço ideia de quê tipo de punição eu experimentaria se me atrevesse a desobedecer, pois a lei não expõe tais conseqüências.
           Chegando ao meu escritório, enquanto procuro por algo que muito me interessa, percebo certa movimentação no andar abaixo. Seria algum dos seguranças? Pois nenhum dos funcionários trabalha aqui em dia de feriado nacional, apenas os seguranças. Porém ouço uma voz feminina, mas nenhuma mulher faz serviço de vigilância por aqui, então quem será? A mulher parece murmurar algo que não compreendo daqui de cima, mas parece aflita com algo.
Minha vista vacila, procurando observar alguma coisa contra a minha vontade, mas coloco uma mão sob ela, para evitar que isso aconteça. Minha mão, entretanto, quer sair por debaixo dos meus olhos e liberar tal contemplação misteriosa que me aguça a curiosidade.

(Fonte: fotolog)


De repente, ouço alguém batendo a porta violentamente e não é a misteriosa moça, ou seja, ela não está sozinha lá embaixo. O que será que acontece? Porque eu não posso ver? Privaram-me da liberdade de enxergar o que quero e a sociedade só me permite ver aquilo que eles me colocam como imposição? Ridículo! Se ninguém até hoje teve a ousadia de quebrar os tabus, serei eu o primeiro a contrariar os princípios estipulados pelo ser humano!
De súbito, virei minha cabeça para baixo e a primeira coisa que pude observar foi o grande abismo repartido pelos escritórios dos andares inferiores. Ao mesmo tempo, fui atacado por violentas vertigens causadas pelo pânico que tenho por altura! Meu coração acelerou, minhas pernas se desequilibraram e eu senti meu corpo ser puxado em direção ao chão. Procurei algo para me segurar, mas não tinha nada por perto e meu estado de pânico não me permitiu que movesse um dedo naquele momento. Só então me lembrei das pessoas que estavam no andar abaixo do meu: eram três homens e uma mulher, vestidos com um uniforme vermelho com algumas faixas azuis. Não eram do corpo de bombeiros, nem da polícia, nem para-médicos. Eram as únicas opções que me vinham à cabeça naquele momento, não conseguia mais raciocinar. Pude perceber o desespero estampado na cara deles quando me viram lá em cima deitado no chão os encarando com os olhos esbugalhados. Eles corriam desnorteados de um lado para o outro gritando, mas era estranho, pois eu nada ouvia. Parecia que eles tinham perdido a voz, ou será que eu quem tinha perdido a audição?
Tentei gritar lá de cima para perguntar o que estava ocorrendo, mas, por incrível que pareça, eu não consegui, perdi minha voz. Tentei gritar com todas as minhas forças e não consegui. Tive vontade de chorar, mas não dava conta, meus olhos estavam secos e o desespero atacava somente a minha alma, nada mais.
Repentinamente ouvi um zumbido vindo ao longe. Na verdade, não era bem um zumbido, mas um som agudo e penetrante que foi aumentando gradualmente, como se estivesse se aproximando. Enquanto isso observei a mulher em prantos apontando para o norte, enquanto os homens me encaravam com um olhar atordoante, como se quisessem dizer que eu fui culpado por algo, mas o que seria?
Virei minha cabeça vagarosamente em direção ao norte, e vi alguns prédios ao longe se estilhaçando por completo, lá de onde vinha aquele barulho ensurdecedor. E a cada segundo que passava, o barulho se intensificava em múltiplos crescentes. Minhas mãos nos ouvidos eram inúteis agora, meus tímpanos já tinham estourado e minha cabeça parecia querer explodir de tão insuportável dor que eu sentia. O sangue escorria latente sobre minhas mãos e os prédios mais próximos começaram a estourar. O mundo parecia estar em colapso! E quase para desmaiar senti o chão que me sustentava começando a trincar. O barulho intolerável parecia querer destruir tudo com bastante furor, como um deus ensandecido castigando as suas criaturas. De repente, o teto desaba sobre mim e acabo sendo perfurado por milhares de estilhaços de vidro que caem infinitamente em meu corpo que é lançado como um farrapo infinitamente no abismo ao redor de inúmeros cortantes que me flagelam incessantemente, ao som de um furioso barulho, ou melhor, de um grito.



 

Contos Mijinianos #2 - Trem das Paisagens


Contos Mijinianos #3 - A Chuva


Contos mijinianos #4 - Pombos e anões


Contos Mijinianos #5 - Hotel Paranóia


Contos Mijinianos #6 - O barco

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